O Chero

18/02/2012.

 

 

Hoje, dezoito de fevereiro, aniversário do sujeito Temístocles e eu, que não sou lá muito chegado nessas modernidades de, “ecemeesse”, “remeio”, computador e outras traquitandas, acho mesmo é que em dia de aniversário, cabra macho, amigo pra valer, cumprimenta chacoalhando os ossos, olho no olho, de preferência molhando a palavra, com algo de sua predileção, se fô  Homi, com agá grande, com uma boa talagada, daquelas que desce frevendo, limpando tudo, matando os bicho por dentro. Se fô mais frosô, pode tomar umas loiras suadas mesmo que, depois de umas dez faz o mesmo efeito.

 

Mas como ando meio descadeirado, cheio de poeira da mudança e também, devo confessar aqui baixinho, do tempo de uso que já se está tornando elevado, decidi cumprimentá-lo por telefone mesmo. Trim, trim, ô cabra mole para atender o telefone, mas de repende escuto a voz do bobão lá de Itaipuaçu. Já vou logo avacalhando, com aquela piadinha mais velha do que o rascunho da Bíblia: -“Oi bobão, to ligando para fazer festinha no seu anos”.

 

Depois das risadinhas bobas, das piadinhas de sempre acerca do fato de ele ser Muuuuito mais velho do que eu, exatos vinte e um dias, quase uma eternidade, ele me confessa que está torturando a família, pois como é seu aniversário, assumiu o “toca discos”, isso mesmo, nêgo velho tem tocas discos, para não dizer “vitrola”, que seria muito esculacho com o elemento. Mas assumindo o aparelho infernal, que tanto me lembra o Madureira com o seu único disco do Creedence Clearwater Revival, que no 30 ano de Barbacena quase enlouqueceu todos do apartamento 202, o sexagenário careca e embriagado está submetendo seus familiares a uma insuportável imersão de Santana, com todas aquelas suas notas dissonantes.

 

Penalizado pensei que isso só seria possível em duas situações: ou o cabra estava pagando promessa por haver sobrevivido à hecatombe da Casa da Moeda, ou estava tendo uma imensa crise de meia idade, buscando reviver emoções do passado.

 

Como sei que o cara é chegado numa manguaça, mas é sujeito homem, honesto, logo descobri que o elemento estava tendo uma crise de banzo, que é aquela nostalgia aviadante que dá em neguinho e se o sujeito é velho, careca e já tomou todas, aí então a coisa vem com a gota serena.

 

De cara matei a charada, e lhe disse: -“Tá com saudade do velho Hippie lá entre Ponta Negra e Parnamirim né sujeito?” – ao que me respondeu: - “Não tô lembrando da casa de Salete”.

 

Rapaiz mas por que é que o sujeito foi falar em casa de Salete, aí quem entrou em banzo fui eu. O velho coração já descompassado foi me levando pro passado, as imagens meio desfocadas, mas as emoções muito intensas. Lembrei-me de uma “galega” lá em casa de Salete, que era Mestre e PHD em “chero”. Mas hômi rapaiz, ninguém lhe dava um chero tão bem cherado quanto Edileuza.

 

Chero é uma invenção da natureza que o diabo permitiu que a mulher nordestina desenvolvesse para destruir qualquer homem. Pode ser o cabra macho que for, levou um chero, bem cherado e o sujeito desmonta.

 

Me lembro perfeitamente, junto com um bando de desocupados assim como eu, lá se fomos, a pé, passando a Ridinha, lá para as bandas de Jenipabú, que pelos idos de 1971 era mais longe do que a casa da mãe Joana. Foi depois da função em casa de Salete, lá pelas tantas, as meninas iam alegres e saltitantes pois no dia seguinte não teriam função e o cadetal mais aperriado do que noivo em véspera de casamento, com as perspectivas das carícias gratuitas, de que muito necessitávamos. Alguém gritou logo que passamos o Potengi: - “ô moçada, vamos ficando por aqui mesmo que é para logo começar o chamego”. Mas Ritinha, uma russinha muito da enjoada foi logo dizendo: - “Aqui não, vocês falaram em Jenipabú. Aqui num deixo nem me bota a mão”. No que foi apoiada em coro pelas meninas, que queriam tudo o que tinham direito.

 

Diante de tão forte demonstração do poder feminino, o jeito, foi enfiar o pé no caminho e a boca na garrafa, porque de cara limpa ninguém guentava aquela lonjura. Mas no máximo duas garrafas daquela cachaça Invencível, que era realmente invencível, só com muita esperança de dias melhores para encarar aquela fogueira líquida, chegamos às dunas de Jenipabú.

 

Fui me acoitar com Edileuza numa lagoa que brilhava como prata sob o luar de Natal entre as dunas e os cajueiros. Ela de tanta felicidade foi logo dizendo: -“Cadete, isto aqui é tão bonito que eu vou logo lhe dando um chero”.

 

Eu nunca ainda havia sido submetido às delícias de um chero, descrevê-lo não é uma função fácil, mas tentarei: Começa com uma fungada forte logo atrás da orelha, que lhe dá um arrepio daqueles que fazem até estalar os pelinhos do braço. Mas a diaba não para, ela cafunga ainda mais forte e aquilo vai lhe dando uma aflição no gragumilho... Onde é o gragumilho? Ora rapaz, eu numa situação dessas e você aí me perguntando coisas de geografia, tenha tenência. Mas como disse, vai dando uma aflição no gragumilho que o cabra acaba se torcendo todo de bão que é e depois que passa o sujeito fica no chão jogado igual pano molhado, não adianta nem bulir com ele por uns tempos.

 

Devo confessar, foi bom ligar para dar os parabéns àquele sujeito e poder tornar a ter uma recordação do meu primeiro chero.