Dar o peixe ou ensinar a pescar? 10/06/2010.
Um eleitor, provavelmente membro da ultrajada classe média brasileira, postou na internet um desabafo com relação à política da Bolsa Família, maneira como nossos dignos mandatários encontraram para se perpetuar no poder à custas de esmolas pagas aos menos favorecidos, subvencionada pelos contribuintes espoliados.
Indignado nosso eleitor assim relatava um caso absurdo ocorrido no Ceará:
ESSA POLÍTICA ABSURDA DO NOSSO "GRANDE PRESIDENTE" ESTÁ CRIANDO UMA GERAÇÃO INTEIRA DE DEPENDENTES, PREGUIÇOSOS E MALANDROS...
É INACREDITÁVEL – BIZARRO , ABSURDO - MAS É O “NOSSO BRASIL” !
Aconteceu no Ceará!
Como o setor têxtil é de vital importância para a economia do Ceará, a demanda por mão de obra na indústria têxtil é imensa e precisa ser constantemente formada e preparada. Diante disso, o Sinditêxtil (Sindicato da Indústria de Fiação e Tecelagem em Geral no Estado do Ceará), fechou um acordo com o Governo para coordenar um curso de formação de costureiras. O governo exigiu que o curso deveria atender a um grupo de 500 mulheres que recebem o Bolsa Família. De novo: só para aquelas que recebem o Bolsa Família.
O importante acordo foi fechado dentro das seguintes atribuições: o Governo entrou com o recurso; o SENAI com a formação das costureiras, através de um curso de 120 horas/aula; e o Sinditêxtil, com o compromisso de enviar o cadastro das formadas às inúmeras indústrias do setor, que dariam emprego às novas costureiras. Pela carência de mão obra, a idéia não poderia ser melhor.
Pois bem. O curso foi concluído e, com isso, o cadastro das costureiras formadas foi enviado para as empresas, que se prontificaram em fazer as contratações. Foi nessa hora que a porca torceu o rabo, gente! Anotem aí: o número de contratações foi ZERO. Entenderam bem? ZERO!
Enquanto ouvia o relato, até imaginei que o número poderia ser baixo, mas o fato é que não houve uma única contratação sequer. ZERO. Sem nenhum exagero. O motivo?
Simples, embora triste e muito lamentável, como afirma com dó, o diretor do Sinditêxtil: todas as costureiras, por estarem incluídas no Bolsa Família, se negaram a trabalhar com carteira assinada. Para todas as 500 costureiras que fizeram o curso, o Bolsa Família é um benefício que não pode ser perdido. É para sempre. Nenhuma admite perder o subsídio
De forma uníssona, a condição imposta pelas 500 formadas é de que não se negocia a perda do Bolsa Família. Para trabalhar como costureira, só recebendo por fora, na informalidade. Como as empresas se negaram, nenhuma costureira foi aproveitada.
Casos idênticos do mesmo horror estão se multiplicando em vários setores.
QUEM ESTÁ CRIANDO ELEITORES DE CABRESTO, COMPRADOS ATÉ EM SUA DIGNIDADE, RECUSANDO-SE A TRABALHAR PELO SEU SUSTENTO?
"HOJE EM DIA, ALGUNS (OS QUE RECEBEM AUXÍLIO DO GOVERNO), PREFEREM A ESMOLA DO QUE O TRABALHO DIGNO!"
Ontem depois de estarrecido haver lido esse relato, onde 500 pobres mulheres cearenses abrem mão de sua dignidade, de sua humanidade a fim de pleitear "estabilidade" na apropriação do chamado "Bolsa Família", lembrei-me de minha antologia de poemas de Bertold Brecht, um ótimo refúgio em um momento como este, depois fuçando em mais leituras acabei encontrando esse texto abaixo:
Dar o peixe ou ensinar a pescar? Lidiane* Dar o peixe ou ensinar a pescar? Esse é um falso paradoxo, pois diante de problemas sociais tão complexos não bastam soluções simplistas, não cabe a escolha entre duas opções, é necessário assumir uma política de transferência de renda para impedir, de forma estratégica, os processos de desintegração dos ambientes familiares e consequentemente da sociedade. Assistencialismo, filantropia são válidos em situações de desespero, pobreza extrema, mas criam dependência e reduzem a auto-estima. E, uma cesta básica, alguns litros de leite e poucos reais por mês não transformam a realidade de uma família carente. A educação é fator determinante para promover a mudança deste quadro. É preciso atacar as causas e não apenas fornecer soluções imediatistas. Ensinar a pescar é oferecer educação, emprego de qualidade, estimular o cooperativismo e o micro crédito, é libertar das humilhações das “esmolas”. Essas oportunidades valem muito mais do que qualquer doação, porque servem como subsídios para que o indivíduo construa um futuro mais sólido. Entretanto lamento advertir que boa parte dos nossos problemas sociais não será resolvida em sala de aula, através de algum emprego ou crédito. Sendo assim, a solução é continuar prestando assistência ao idoso, ao tetraplégico, ao doente e também investir em crianças e jovens. Manter o equilíbrio para que o neoliberalismo social não sobrepuje o humanismo cristão.
*Lidiane: Estudante de Administração de Empresas na FAPI e escreve artigos para o Editorial do Jornal da Cidade em Pindamonhangaba - SP. Segundo os créditos apresentados imagino seja Lidiane uma jovem estudante de Pindamonhangaba, ou simplesmente Pinda para nós paulistas, e como jovem e estudante, cheia de respostas e certezas para todas as mazelas do mundo. Como contrapor a argumentação apresentada pela jovem na frase: ─ "...é necessário assumir uma política de transferência de renda para impedir, de forma estratégica, os processos de desintegração dos ambientes familiares..." ─ a lógica presente na defesa da validade da filantropia e do assistencialismo em situações de desespero e pobreza extrema, são irretorquíveis, mas ela mesma, do alto de sua juventude, percebe a possível cilada presente nessas ações demagógicas e irrefletidas quando admite que esse "esmolar oficial" reduz a autoestima e cria dependência.
As consequências dessas "transferências de renda" são ainda mais danosas quando a população, covarde e intencionalmente mantida na ignorância e na dependência por toda uma vida, ou o que é pior, pela vida de gerações sucessivas, percebe que ao apropriar-se dessas espórtulas não está abrindo mão de sua autoestima, algo que nunca teve e que os responsáveis por sua condução sempre se esforçaram para que nunca tivesse, pois um homem, com um mínimo de autoestima, não é tão facilmente manipulável como pretendem nossos políticos sejam seus eleitores de cabresto. Mas como dizia, ao apropriar-se dessas migalhas está simplesmente tratando de "malandramente" sobreviver, da única maneira de passar o tempo que lhe foi dado viver sobre a terra, para parafrasear Bertold Brecht.
Nossas populações mais humildes, por gerações exploradas e espoliadas, mantidas intencionalmente na ignorância útil, não sabem o que seja autoestima, orgulho, a miséria a que são condenadas não lhes dá tempo para esses luxos, têm que sobreviver, como puderem a cada dia, lutando contra tudo e contra todos pois "de que serve a bondade, se os bons são imediatamente liquidados, ou são liquidados aqueles para os quais eles são bons?" (mais uma vez Bertold Brecht).
É fácil nos revoltarmos, após ler o caso das costureiras do Ceará e concordarmos com a conclusão do indignado contribuinte que publicou sua revolta:"HOJE EM DIA, ALGUNS (OS QUE RECEBEM AUXÍLIO DO GOVERNO), PREFEREM A ESMOLA DO QUE O TRABALHO DIGNO!" Mas em nenhum momento do texto eu li uma análise, por mais tênue que fosse, sobre a situação sociocultural dessa multidão de dependentes físicos e psíquicos das "benesses" do poder. A crítica e a repulsa sobre a decisão tomada pelas mulheres é lógica e esperada dentro de um mundo normal, mas será normal a vida levada por esses milhares de ignorantes "manteúdos" políticos conservados com o único objetivo de perpetuar no poder seus "benfeitores", através do sagrado exercício da democracia, a suprema manifestação de liberdade?
Será que nós, os privilegiados nesse deserto cultural e moral, temos o direito de sermos tão críticos com esses despossuídos? Com esses manipulados? Há muito tempo essa prática existe no Brasil e nós convivemos calados com ela, reclamando apenas, em mesas de bar, ou em fóruns privilegiados, quando essa multidão de ignorantes elege, por identificação, um igual como presidente, e esse igual acaba por interferir em nossa liberdade. Mas de que serve a liberdade, se os livres têm que viver entre os não-livres - Brecht again.
Brecht tem uma poesia, "Louvor ao Estudo", que retrata, apesar de haver sido escrita na escuridão do período nazista na Alemanha de Hitler, tudo aquilo que nossas elites dirigente temem e não querem de forma alguma, que aconteça e para isso não economizam esforços na manutenção do status quo:
Louvor ao Estudo Bertold Brecht
Estuda o elementar: para aqueles
Começa. Tens de saber tudo.
Empunha o livro, faminto! É uma
arma!
O que não sabes por ti, não o
sabes.
Repugna-me também essas políticas assistencialistas, mas temos de considerar que esse governo que aí está não teve nem sequer a criatividade de inventá-las. Aliás é ele mesmo, de certa forma, fruto dessas políticas implementadas no passado, criado por um general, Golbery, que dos bastidores do poder maquinou a suprema manobra que foi a de criar, dentro de um regime de exceção, um líder sindical de oposição que depois foi adotado por intelectuais de esquerda, que na promoção política que a oposição ao regime militar permitia, se permitiram a sublimação de aceitar o metalúrgico ignorante nato, como um dos seus, sempre com a ambição de cabalar mais votos das massas oprimidas. Não imaginaram esses detentores do conhecimento, que a criatura poderia superar o criador. A repulsa a essas políticas, no entanto, não é suficiente para que eu abandone o conforto de meu lar e me embrenhe numa luta em defesa dos manipulados. Mais fácil é bradar minha indignação, mas nada fazer, unindo-me à multidão da maiorias silenciosa, esquecendo que:
Bertold Brecht
"O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos. Ele não sabe que o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio dependem das decisões políticas. O
analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo
que odeia a política. Não sabe o imbecil que da sua ignorância política
nasce a prostituta, o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos
que é o político vigarista,
"Desconfiai do mais
trivial, na aparência singelo.
Privatizado Bertold Brecht
68-114 Brasil
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