“Causos de Aviação”

Paulista

17/07/2009 

 

Terminada a instrução primária o semibrevetado “Aviador” iria ingressar na modernidade, na aviação à reação, nada mais daquela aviação arcaica movida a hélice. Chega da “aviação à lenha”. Sentia-se o próprio Robert Mitchum em “Raposas do Espaço”, filme que somente iria assistir dali há um ano na Academia, em uma das primeiras transmissões à cores, captada no cassino dos cadetes em um enorme televisor Telefunken, que transformava qualquer imagem em uma disforme massa vermelho vivo, mas era, naquela época, o máximo.

 

Terminada a inspeção externa, paraquedas, cintos, suspensórios e máscara de oxigênio ajustados, um olhar de “expert” para fora da aeronave lhe indica que a área está livre para a partida. Dedo indicador da mão esquerda no botão “Starter - GND”, o médio no de Ignição - ON, mantendo até 5% de RPM, manete em “IDLE”, repetir tudo de novo para o reator direito e deixar com que aquela maravilha da engenharia moderna ganhe vida, com seu silvo crescente preenchendo todo o seu sentido de audição, aumentando juntamente suas pulsações.

 

“BACOMFLAP”, “RAARPIGOCA”, quase que automaticamente vai repetindo a checagem de “pós-partida”, indelevelmente gravada na memória través do método mneumônico.

 

Com o polegar esquerdo aciona o botão do rádio, acondicionado nos manetes do piloto e chama a torre:

― “Astro, Cacique, não sei das quantas, câmbio.”

― “Cacique, não sei das quantas, Astro prossiga.”

― “Astro, Cacique, não sei das quantas, no Tango Três Sete Charlie zero nove e abobrinhas, para uma hora mais dez em - uma das quatro áreas de instrução - alta/baixa.”

― “Cacique não sei das quantas positivo, pista uno meia esquerda, vento de tal direção, com x kt’s, ajuste de altímetro n.”

― “Não sei das quantas.”

 

Essa última frase era para dar a impressão ao pobre operador da torre que o “Aviador” havia ouvido e entendido as informações prestadas. Mas caramba era exigir demais de um ser humano, ouvir e entender, um monte de informações lançadas aos borbotões, num momento tão difícil como aquele, em que ele se via defronte de uma infinidade de botões e reloginhos, todos se movendo loucamente e ao mesmo tempo! Afinal a pista era sempre a 16 esquerda, a direção e velocidade do vento não interessavam, pois podia se ver claramente que não estava havendo nenhum furacão e o ajuste de altímetro? Ora o ajuste de altímetro! Quem precisa? Não estamos no chão? O bichinho não está marcando zero? Pois então está tudo certo.

 

Área clareada, dedo anular direito no direcionador da bequilha, acionar levemente os manetes, checar os freios, curva à direita e iniciar a rolagem, sentindo-se como se fosse interceptar uma infinidade de Zeros, Messerschmitts, ou ainda melhor, uma esquadrilha de Migs. Suspensórios travados, canopi baixado e travado, comandos livres e correspondentes, leve curva à esquerda, informar a torre que está pronto para a decolagem e, ansiosamente aguardar a autorização para alçar-se aos céus.

 

― “Cacique não sei das quantas, livre “descolagem”, pista uno meia esquerda e todo aquele blá, blá, blá de novo”. Que novamente não será ouvido, não em um momento tão importante e único como esse.

 

Avião cuidadosamente colocado sobre a faixa que divide a pista, alinhado, checada a indicação da bússola magnética com a orientação da pista, freios firmemente acionados, lenta mais firmemente acionar os manetes à aceleração plena. Os dois reatores J-69 ―T-25, com 1.025 libras de empuxo cada, vão aumentando seu silvo, uivando tal e qual um lobo faminto, os ponteiros dos taquímetros aproximando céleres dos 100% de RPM. Mas, fosse devido à ansiedade, fosse por ressaca mesmo, naquela manhã o “Aviador” não havia tomado suficiente quantidade de mingau de bolinhas, fraco, começa deixar o avião escapar dos freios. Sutil e delicado tal e qual uma mula bravia, o instrutor começa a berrar de dentro de sua máscara:

― “Segura essa porra! Segura essa porra!”.

 

Meio aturdido o “Aviador” vira-se para a direita e encarando o esperneante instrutor diz-lhe:

― “Mas eu estou brecando”.

 

Faz-se um pesado silêncio. Até o atordoante ruído dos reatores desaparece. Com dramaticidade o instrutor estende sua mão esquerda para o console central e reduz os manetes a “IDLE”, raivosamente vira para o “Aviador”, por trás da máscara e da traquéia seus olhos serrados lhe dão uma aparência de um elefante irado de capacete. Sem disfarçar a indignação na voz exclama:

― “Porra caga pau, além de tudo você ainda é paulista!”

 

E assim, entre tapas e beijos, eles levaram sua relação até o dia do “Brevê”. 

 

68-114 Brasil
Abel Brasil Pedro - Asp. Of. Av. R2