Coronel Braga
Era final da tarde
do dia 20 de maio de 1968, véspera do aniversário da Escola. Eu, calouro,
"bicho" mesmo ainda, flanava pelo Pátio da Bandeira, extasiado com um
daqueles pores-do-sol, que só o início do inverno em Barbacena propicia.
Enlevado por aquela miríade de tonalidades de azul, branco e púrpura,
matutava acerca do último "bizu" que correra: naquela noite, teríamos uma
palestra com os oficiais da Esquadrilha da Fumaça.
Perdido em meus pensamentos, sinto o Pátio da Bandeira tremer com o
barulho de centenas de botas que correm para presenciar um não-sei-o-quê,
inesperado. O zumbido, como um enxame de vespas, cresce, transformando-se
em um rugido, e, de repente, assoma, por cima da caixa d'água, a figura
magnífica daquele T-6 branco, azul e vermelho, com a inscrição FAB na
parte inferior de suas asas, aproxima-se num rasante vibrador, terminando
por um elegante tonneaux. Ainda mal refeito com essa maravilhosa visão, e
logo a seguir surge outro, outro e mais outro. Por fim, cinco rugidos,
cinco rasantes, cinco tonneaux, terminados por uma graciosa curva à
direita em direção ao aeroporto.
Meu coração dispara,
a adrenalina sobe, e ali, naquele momento, juro a mim mesmo que um dia
haveria de pilotar um daqueles pássaros de aço.
Apenas o toque de "reunir" consegue tirar-me daquele verdadeiro transe
vibratório. A ansiedade pela palestra era tanta, que mal consegui jantar.
Aliás, nem me lembro sequer se cheguei a comer algo.
Logo em seguida, estávamos todos reunidos no rancho, cada um acomodando-se
como podia, aguardando ansiosos pela chegada daqueles verdadeiros heróis,
os próprios Bandeirantes Audazes do Azul. De repente, ainda me lembro
claramente, assoma ao parlatório aquela figura morena e imponente, de cima
de seu majestoso macacão-de-vôo: era o então Major Braga, Comandante da
Esquadrilha da Fumaça. Com aquele jeitão informal que lhe é peculiar,
apresentou-nos os demais componentes, falou de suas aventuras pelo Brasil,
mostrou-nos a importância da Esquadrilha como o mais eficiente instrumento
de relações-públicas da Força Aérea Brasileira e prometeu-nos, para o dia
seguinte, uma exibição memorável.
Acredito que muitos de nós, ao se deitarem naquela noite, sonharam em
estar, um dia, na ala do "major" Braga, alçando-se altaneiros aos céus,
num vôo ousado.
Amanhece, alvorada festiva, correria para os preparativos do desfile de
aniversário da Escola. Em minhas recordações, tudo passa muito
rapidamente. Num instante, estamos todos reunidos no canteiro de obras
daquilo que viria a se tornar, hoje, as quadras de esporte. Oficiais,
alunos e convidados, aguardando, ansiosamente, pela promessa feita na
noite anterior. E logo, de novo, aquele rugido se aproxima. Corações
disparam. Cabeças se elevam para melhor apreciar cada momento do "show".
Comandados pelo Major Braga, aqueles cavaleiros do século do aço, mais do
que simplesmente fazerem mais uma apresentação, plantaram o vírus da
aviação no coração das centenas de jovens alunos que ali estavam, vírus
esse que, como todos os demais, é absolutamente incurável, não importa
onde quer que você esteja, fazendo o que quer que seja.
Manhã de 21 de maio de 1999, trinta e um anos são passados, e, de novo,
estou no mesmo Pátio da Bandeira, mais velho e mais gordo, aguardando o
início das solenidades comemorativas dos cinqüenta anos de fundação da
EPCAR, quando um colega dos velhos tempos sugere que tomemos um café na
lanchonete do Cassino dos Alunos. Mal o café é servido, quando, de longe,
nos chega novamente aquele mesmo zumbido. Logo de início, identificamos o
ronco de um T-6 que se aproxima. Como há trinta e um anos, largamos tudo e
corremos, lógico que não tão rápido, mas ainda a tempo de ver
aproximando-se, lá pelas bandas da antiga caixa d'água, hoje hospital da
Escola, o velho e ainda majestoso T-6 branco, azul e vermelho. Chega num
rasante magnífico, repetindo-o depois sobre o auditório, onde, como sempre
atento aos detalhes, o Corpo de Alunos se encontrava.
Trinta e um anos se passaram. O meu coração ainda dispara, a adrenalina
sobe, mas ponho-me a cogitar se esse sentimento não seria resquício de
minhas próprias lembranças. Porém, ao olhar para o lado, vejo um aluno,
menino ainda, com os olhos a brilhar de emoção. Vem-me, então, a certeza
de que o nosso Coronel Braga ainda é, hoje, sem dúvidas, o maior
relações-públicas da Aeronáutica no Brasil.
Ele e seu velho amigo T-6, ainda a voar por todos os rincões desse enorme
País, foram, são e serão, ainda, por muito tempo, responsáveis pelo
despertar, em milhares de jovens, dessa paixão intensa pela aviação,
paixão essa que só um homem eterna e profundamente apaixonado, como o
"velho" Braga, é capaz de despertar.
68-114 Brasil
Abel Brasil Pedro -
Asp. Of. Av. R2
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