Adeus Meu Velho

22/03/2011

 

É madrugada, acabei de chegar de uma missão que nunca sonhei, esperei, ou desejei cumprir, que foi a de acompanhar teu velho corpo à última morada.

 

É madrugada, sozinho enfrente a esta máquina tento transpor para o papel o turbilhão de sentimentos e emoções que me acodem, mas está difícil, pois as lágrimas insistentemente teimam em me toldar a visão e embotar o pensamento.

 

Egoisticamente choro. Sim egoisticamente, pois não choro a tua morte, choro por te haver perdido. Por haver definitivamente perdido a oportunidade de dizer-te tantas coisas, que nunca me permiti dizer-te pessoalmente.

 

De dizer-te de como acalenta o coração as lembranças de minha infância, quando carinhosa e pacientemente me carregavas em teus ombros “de cavalinho” nas inúmeras visitas que fazíamos à casa de meus tios. Das viagens que fizemos tu e eu de trem pelo interior de São Paulo, onde ias trabalhar e eu, moleque irrequieto, fazia com que me levasses. Dos maravilhosos momentos que juntos desfrutamos, nos vagões restaurantes, comendo “bife a cavalo” e apreciando as belas paisagens do interior paulista.

 

De te pedir perdão pelas inúmeras brigas que tivemos quando decidi entrar para a Escola de Barbacena. Pedir perdão, por só muito mais tarde compreender que tu humanamente relutavas em me deixar partir, não por ser a escola longe de casa, ou de ser aquela uma carreira perigosa. Tu humanamente tentavas agarrar o resto de minha infância, por medo de me perder, por compreender que teu filhote ensaiava abrir as asas para definitivamente deixar o ninho.

 

Hoje com meus filhos também batendo suas asas, te compreendo de uma maneira cristalina, mas naquele tempo a ânsia da juventude não me permitiu sequer ver o brilho em teus olhos, quando pela primeira vez retornei fardado à casa. Da minha implicância em atender aos teus pedidos para sair contigo fardado, pois se andava fardado todos os dias na Escola, por puro egoísmo não queria saber de por a farda em dias de folga, nem que fosse só para atender a um teu pedido.

 

Do prazer com que desfrutastes aquelas férias quando me visitastes em Natal e, mesmo sem nunca dizeres, o orgulho com que visitastes teu filho piloto. Da maneira quase infantil com que te entregastes ao convívio daquela gente potiguar, tão afetuosa e hospitaleira. Da feijoada na casa de Cansanção em Ponta Negra, dos passeios com Danton e Núbia, casal que, tal qual pais postiços, adotaram tantos de nós naquela inesquecível cidade.

 

De dizer-te de como, mais tarde, me orgulhava poder aproveitar as férias contigo e teus netos. Do prazer que me destes quando fomos a Santa Cruz Cabrália, aquele pequeno pedaço de paraíso e pude ver como tu, tal qual um menino, absorvias com sofreguidão cada minuto com teus netos, cada palmo daquela paisagem caprichosamente criada por Deus, aquele mesmo Deus que tanto amastes e respeitastes.

 

Hoje, olhando o caixão que te serve de morada, lembrei-me disso e de tantas outras coisas que deixei de dizer-te. De dizer-te de como me orgulho de ser teu filho. Da admiração que sempre tive por tua precoce e diuturna luta pela a vida desde os dois anos de idade quando, filho de ignorantes imigrantes portugueses, ficastes prematuramente órfão de pai e fostes obrigados a andar de casa em casa, enquanto minha avó, tua mãe, como empregada doméstica buscava meios para a vossa sobrevivência.

Do enorme impacto que me causou, quando em um natal todos reunidos, teus netos abrindo alegremente os presentes, te vi triste e quando te perguntei a razão me respondestes que achavas o natal uma festa muito injusta, pois sempre te lembravas de que, quando criança, Papai Noel jamais depositou um presente em tua meia. Mas mesmo assim, tu nunca deixaste que ele se esquecesse de mim e de minha irmã, não importando o quão difícil estivesse a vida.

 

De dizer-te de como te sou grato pela ingente luta que tu e minha mãe travastes, com tão poucos recursos, para compensar as injustiças da dura vida, jamais se entregando à ignorância fácil e ociosa. Ao contrário, com que inconformismo e sofreguidão buscastes aprender sempre mais, a fim de propiciar a mim e minha irmã excepcionais oportunidades de adquirir educação, fazendo-nos compreender e dar valor ao que se sabe. De que conhecimento é a única riqueza que o turbilhão da vida não carrega.

 

Lembrei-me que nunca te haver dito do imenso respeito e orgulho que sempre tive pela tua correção de caráter e justeza de atitudes. Do exemplo de marido, pai e profissional que sempre fostes exemplos tão grandes, que me forçastes impor a mim mesmo padrões elevados para que me sentisse digno de carregar teu nome.

 

Enfim, meu velho, me lembrei que nesse turbilhão da vida me esqueci de dizer o quanto te amo, do quanto sou grato a Deus pelo privilégio de ter sido teu filho.

 

Até breve Meu Velho.