Ten. Segadães 

Ao longo desses 35 anos de existência de nossa turma, poucas pessoas foram tão homenageadas e festejadas quanto nosso eterno comandante tenente Segadães. No entanto, agora me dou conta disso, jamais tentamos exteriorizar, de forma escrita, formal nossos sentimentos, nossa amizade e, por que não dizer até, nossa gratidão, a esse amigão de todas as horas, que desde aquele já longínquo março de 1968, nos acompanha, mais de perto até do que muitos de nós mesmos. 

No entanto, hoje que tento colocar no papel essa homenagem defronto-me com algumas dificuldades, dificuldades advindas de uma presença tão constante, que por vezes torna-se difícil até aceitá-lo como nosso comandante e não um de nós. Aquele que, há 35 anos recebeu a missão de acompanhar mais de perto, o doloroso processo de crescimento de 475 jovens de todo os rincões desse país, das mais diversas origens, educação e hábitos. 

Qual seria o seu segredo, que tipo de comportamento mantinha, permitindo com que nós tomássemos a liberdade de carinhosamente chamá-lo de Segadas, Camisolão, Mãe e outros adjetivos, que mesmo sendo carinhosos, não coadunavam com a postura de um subalterno militar. E toda essa “intimidade” ocorria sem nunca haver a menor quebra na hierarquia, ou qualquer abuso de nossa parte, sem que sua autoridade fosse sequer arranhada. Nós mesmos nos policiávamos quanto a isso. 

É claro que isso não impedia que cometêssemos nossas “artes”, pecadilhos inerentes à juventude, mas sempre com aquela preocupação renitente, aquele sentimento de medo, que era muito mais o de decepcioná-lo, de trair sua confiança, do que propriamente “ser pego” no ato, esse risco até que fazia parte da aventura, era a adrenalina que por vezes nos empurrava ao perigo. 

Mas o que teria então o ainda jovem tenente para que, ao invés de obedecê-lo pelo temor da punição, obedecíamos para não ter que encarar seus olhos calmos, em claro desconforto, a dizer-nos em silêncio: - “veja o que você fez comigo, agora serei obrigado a puni-lo”. Isso era como traição e a culpa que se sentia ao se fitar esse olhar era muito pior do que alguns “Ds” ou “Ps” decorrentes da arte. 

A integração entre comandante e comandados era tal, que dispensava o Major Comandante do Corpo de Pré-Cadetes, de maiores cuidados com a turma de 68, ela estava em boas mãos, mais trabalho lhe dava a ciumeira de outros oficiais, jovens também. 

Talvez por se relacionarem com seus subordinados muito mais como um superveterano do que como oficiais, divertindo-se com pequenos trotes, talvez devido a falta de maturidade e conhecimento do espírito humano, que o nosso 60-021, já tão precocemente apresentava. Mas uma maturidade sem envelhecer, sem perder o humor, sem perder a ternura, a ponto de ser procurado, por muitos de nós para trocas de confidências, muitas das quais não nos atrevíamos nem a falar com nossos próprios colegas. 

E como bom amigo, generosamente as ouvia e como um amigo buscava conosco as melhores soluções para aqueles problemas juvenis, em sua maioria, outros um pouco mais sérios, transmitindo-nos aquela cálida sensação de não se estar só, por vezes a melhor solução possível no momento. Às vezes, só por sabê-lo por perto e sempre disponível, uma injeção de ânimo e coragem nos apossava, fazendo-nos enfrentar e superar barreiras até então intransponíveis. 

Já que falamos em ciúmes, e a bronca que as outras turmas tinham, tanto as mais antigas, quanto as mais modernas? Não, eu não chamaria isso de ciúmes, a palavra mais adequada seria inveja. Uma inveja natural, pois como já disse das dores do crescimento que todos nós, alunos da escola estávamos submetidos, as da Turma de 68 eram sensivelmente suavizadas pelo tratamento muito mais humano e amistoso que recebíamos de nosso jovem comandante. 

Sejamos agora honestos, como fomos por seu exemplo ensinados. Cá entre nós, sentíamos o maior orgulho ao ver o tratamento que recebiam colegas de outras turmas, seus olhares cúpidos, desejando em silêncio uma troca de comando, só para ter o nosso Ten. Segadães a comandar-lhes.  

Isso sem contar, quando o danado dava aqueles rasantes vibradores no Pátio da Bandeira: - Lembra aquele que ele deu na NAE, jogou um monte de “paulinhos” na água e permitiu o maior GP da moçada lá em Angra, GP daquela vez desfrutados por todos os que lá estavam, 68 ou não.  

A atitude normal, após sua passagem, era o pessoal de 68 se entreolhar e comentar, em um tom de voz nada baixo, para serem escutados mesmo: - É o Segadães. Isso com aquele olhar “blasé” , como se para nós esse precoce convívio aeronáutico, fosse algo natural, éramos seus companheiros de esquadrilha e afinal “A esquadrilha é um punhado de amigos a vibrar de emoção”. 

Esse acordo tácito que ele conseguiu estabelecer com a turma de 68, começou desde nossos primeiros contatos. O Tenente Segadães, mesmo ainda bastante jovem, a ponto de até, por vezes, o consideramos como um igual, soube desde o início com Dignidade e Equilíbrio, estabelecer de maneira natural sua Autoridade, ensinando-nos através do Exemplo, conquistando para sempre a amizade daqueles 475 garotos, hoje já não tantos nem tão jovens, que sempre que podem, seja em casa, seja na atividade profissional, lembram-se dos exemplos do antigo/jovem comandante e atuam com mais generosidade, com uma maior compreensão das necessidades e das fraquezas humanas, características que se manifestam com mais intensidade durante a juventude, mas para as quais não há vacinas, o que nos obriga, quase sempre conviver com isso. 

Por todas essas nobres atitudes, nosso eterno Tenente Segadães conquistou para sempre os corações e as mentes da turma de 68, de maneira a não ser concebível uma reunião nossa sem a sua sempre alegre presença. 

Sem querer esticar-me por demais creio que a melhor homenagem que a Turma de 68 pode prestar a seu eterno comandante é agradecer a Deus, do fundo de nossas almas, o privilégio de haver nos premiado com tão humano exemplo. E de podermos mantê-lo, como um de nós, Sempre Juntos.