Como nasceu a BOLACHA DE INSTRUTOR DE VOO da Academia da Força Aérea

Para contextualizar a narrativa, é necessário compor o cenário em que foi criada.

Em 1966, o Estágio Avançado da Escola de Aeronáutica era realizado em Pirassununga, no Destacamento Precursor da Escola de Aeronáutica (DPEAer), hoje Academia da Força Aérea. Naquele ano, os cadetes do ar da Turma Sai da Reta cursavam o último ano da Escola, e era o terceiro grupamento de cadetes a realizar a instrução aérea nos céus de Pirassununga.

As instalações do DPEAer eram modestas, mas funcionais. Havia também um cinema, localizado no hangar do Setor Este, onde os cadetes aliviavam a tensão e o cansaço impostos pela instrução aérea. Nesse ambiente singular, longe da Cidade Maravilhosa, passariam seus dias até a declaração de aspirantes.

Nas sessões de cinema, precedendo o filme principal, eram projetados desenhos animados, e o que mais fazia sucesso era o Pica-Pau, criação de Walt Lantz. O Pica-Pau é um dos poucos personagens de desenho animado que possui uma estrela na calçada da fama.

Outro aspecto a considerar, refere-se à provisão das peças de fardamento ao DPEAer que, devido à distância do órgão fornecedor e às dificuldades de transporte, não atendia plenamente as necessidades dos envolvidos na instrução aérea. Instrutores e cadetes se confundiam: a identificação nos macacões de voo deixava a desejar. Era difícil saber quem era quem ou quem era o quê. As insígnias usadas pelos oficiais eram de metal e colocadas na gola, o que incomodava durante a amarração dos suspensórios no cinto de segurança, ocasionando, até mesmo, ferimentos no pescoço. Para prevenir tais incômodos, as insígnias não eram usadas. Alguma medida deveria ser tomada.

Um dos instrutores, o Tenente Lamounier, Comandante da Classe Sirius, incomodado com tal situação, pediu ao Tenente Gonzaga – de espírito alegre, brincalhão e exímio desenhista – que criasse uma bolacha para identificar o instrutor.

Conta-nos o Tenente Gonzaga:

– Esta foi a “bolacha” de Instrutor do então Destacamento Precursor da Escola de Aeronáutica – DPEAer – que criei em fevereiro de 1966, por insistência do então Tenente Lamounier, o Lamuca, para substituir uma outra muito sem graça, que era um Cruzeiro do Sul branco em fundo azul. Tenho ouvido histórias interessantes sobre o Pica-Pau. Uma que ouvi várias vezes explica ser o Pica-Pau o símbolo do instrutor, porque, tanto um como o outro, expulsa os filhotes do ninho quando acha que eles estão prontos para alçar voo. Para mim, entretanto, a inspiração foi o próprio Lamuca, que todo dia me enchia a paciência, insistindo: – Como é Zaguinha, bolou ou não a nova “bolacha”? Numa olhada para ele vi o Pica-Pau, e o reproduzi.

A frase (...) “é uma brasa mora”! só existiu no primeiro lote de “bolachas”, do qual acho que esta é a única sobrevivente. A razão da frase era dupla: vivíamos a época de sucesso da Jovem Guarda, e “brasa” servia, também, para “qualificar” o piloto ruim de voo. Todo iniciante começava como “brasa”. Parecia engraçado, mas não era, e foi eliminada. Mais um detalhe: o cachecol do instrutor e o do aluno são amarelos. Amarelo era a cor da classe de instrução Sirius, na qual eu era instrutor. “Puxei a brasa para a minha sardinha”

Por que Pirassununga está grafado com “ç”? Conta Gonzaga:

– É previsto pela ortografia, que os nomes indígenas que contenham som “ss” sejam escritos com “ç”. Quando fiz a “bolacha”, estavam mudando Pirassununga para Piraçununga, mas não colou, no final valeu a tradição, e Pirassununga conservou seu nome. O mesmo aconteceu com minha Joinville, de quem quiseram tirar o duplo “l”. Ou o “h”, da Bahia.

Prossegue Gonzaga:

– Assim que o desenho foi aprovado pelos instrutores, pintei várias “bolachas” em círculos de madeira, as quais foram coladas nos púlpitos das salas de briefing, e mandamos fazer um lote, distribuído aos instrutores, e todos passaram a usá-la. A ideia era fazer com que não houvesse retorno, e o novo símbolo fosse adotado pela Academia. Funcionou e está aí até hoje e, cada vez que vejo um Instrutor da AFA com ela no peito, sinto uma ponta de orgulho e um mar de saudades de um tempo feliz.

Mais tarde, o Tenente Gonzaga, também exímio piloto, foi selecionado para servir na Esquadrilha da Fumaça, onde serviu durante seis anos, tendo participado de 237 demonstrações. Atualmente, o Cel Av Ref Gonzaga é integrante de uma esquadrilha de demonstração da Associação Brasileira de Ultraleves, encantando a todos com sua perícia.

A chama do ideal que o acompanhou enquanto esteve no serviço ativo continua brilhando com a mesma intensidade. Obrigado, Tenente Gonzaga, a sua bolacha de instrutor de voo continua ostentada no peito de várias gerações, de ontem e de hoje, perpetuando a beleza e o espírito da tão nobre missão a que o senhor se dedicou!

Texto do Brig Ar Carlos Geraldo dos Santos Porto

(Colaboração do 67-377 Osmar)